A chave caiu antes de trancar a porta

Ele já estava com a mão na maçaneta quando sentiu o impulso de voltar para buscar algo que não sabia o quê.
Era tarde. O céu começava a escurecer. O carro estacionado já piscava os faróis, como quem chama com pressa.
Girou a chave uma vez, travou a parte de cima, mas antes de girar a segunda volta — a chave escorregou.
Caiu seca no chão.
Sem força. Sem aviso.
Abaixou-se para pegá-la e, ao se erguer de novo, parou.
Ficou assim. Parado.
Como se alguma parte dele — a que pensa diferente da mente — pedisse:
“Espera.”
Não havia medo. Nem uma voz.
Mas o corpo inteiro se recusava a trancar a porta.
Voltou para dentro da casa.
Passaram-se cerca de sete minutos.
Foi quando ouviu, do lado de fora, um estrondo.
Um carro havia perdido o controle e se chocado exatamente no cruzamento onde ele passaria.
O mesmo cruzamento, no mesmo horário, com o mesmo semáforo que sempre abria para ele.
Mas naquele dia… ele não estava lá.
Sentou-se no sofá com a chave ainda na mão.
Não era a primeira vez que o mundo invisível falava assim — com tropeços, com atrasos, com quedas que salvam.
Quantas vezes o acaso é apenas um disfarce?
Ele não era místico. Não se dizia sensitivo.
Mas sabia: a vida tem formas estranhas de empurrar a gente para o lugar certo — ou de segurar quando ainda não é a hora de sair.
“Obrigado”, disse em voz baixa.
Não sabia bem a quem. Mas disse.
Como quem reconhece que foi interrompido por cuidado.
Nem todo sinal vem com aviso.
Às vezes, ele vem com um objeto caindo.
Com uma chave que escorrega no instante exato.
E quando a gente está minimamente disponível — algo em nós entende:
é melhor ouvir.
Porque o tempo do universo nem sempre bate com o do relógio.
E tem momentos em que ficar um pouco mais é o que salva.
Por José Ràmmos

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