A cidade gritava.
As buzinas, os passos apressados, os semáforos impacientes, as notificações no celular — tudo parecia exigir dela mais do que era possível entregar.
Lívia andava com a cabeça baixa, o coração apertado e o pensamento acelerado. Tinha saído do trabalho minutos antes, depois de uma discussão com o chefe que deixou nela uma mistura de raiva e vergonha. Não era só o trabalho. Era o peso de tudo junto: a solidão, os boletos, o corpo cansado, o medo de estar falhando com ela mesma.
No meio da multidão, algo nela começou a se fechar. O ar parecia menos disponível. As mãos suavam. A garganta arranhava.
Foi quando quase tropeçou.
Não chegou a cair, mas se desequilibrou o suficiente para parar. Olhou em volta, como quem tenta disfarçar um choro iminente, e foi aí que ele apareceu.
Um homem comum.
Camisa de botão. Cabelos grisalhos. Uma pasta surrada na mão.
Parou diante dela como quem reconhece uma dor invisível.
E disse apenas:
— Calma. Vai passar.
Às vezes, o mundo parece grande demais… mas a gente também é.
Ela não soube o que dizer.
Não o conhecia. Nunca o tinha visto.
Mas aquelas palavras entraram direto num lugar dentro dela onde nem ela sabia que havia espaço.
Não era a frase.
Era o tom.
A pausa entre as palavras.
A presença serena de alguém que não tinha pressa — e que, ainda assim, parou por ela.
O homem deu um leve aceno com a cabeça, como quem diz: “já cumpri meu papel”, e foi embora.
Nada mais.
Sem perguntas.
Sem nome.
Lívia ficou ali parada.
Calma.
Foi só depois de alguns minutos que percebeu que o coração havia desacelerado.
O nó na garganta, dissolvido.
O pensamento, em silêncio.
Era como se aquele estranho tivesse puxado um fio invisível e reconfigurado o circuito da alma.
Talvez não fosse um estranho.
Talvez fosse um enviado.
Ou um recado com forma humana.
Talvez fosse alguém comum — mas atravessado por uma missão invisível:
aliviar um coração por trinta segundos.
E quantos de nós já fomos salvos por palavras assim?
Um “vai ficar tudo bem” dito no momento exato.
Um “você não está sozinha” vindo de onde menos se esperava.
Um “respira” vindo da boca de alguém que nunca mais vimos.
E quantas vezes já fomos esse alguém — sem saber?
Naquele dia, Lívia chegou em casa diferente.
Não contou a ninguém o que aconteceu.
Nem conseguiu explicar a si mesma o que havia sido aquilo.
Mas à noite, antes de dormir, repetiu baixinho:
“Calma. Vai passar.
Às vezes, o mundo parece grande demais…
…mas a gente também é.”
E dormiu em paz.
O mundo continua gritando.
A cidade continua exigente.
A vida continua acumulando cansaços.
Mas vez ou outra, aparece alguém.
Alguém que para.
Que olha.
Que fala o essencial.
E que some sem alarde — deixando uma leveza que não se explica.
Esse alguém pode ser o outro.
Ou pode ser você.
Porque no fim, o que nos sustenta talvez não seja o que nos explicam com argumentos.
Mas o que nos entregam com presença silenciosa.
Às vezes, tudo de que precisamos é isso:
um estranho que para…
só para dizer: calma.
Por José Ràmmos