O som da maçaneta girando parecia anunciar algo. Mas o que veio foi só o vazio. E mesmo assim, algo mudou.
Ela estava sozinha há dias. Não de gente, mas de alma. Porque há solidões que resistem mesmo nas casas cheias.
O vento batia forte naquela tarde de domingo.
O sol tentava entrar pelas frestas.
E foi então que a porta se abriu.
Devagar. Sem tranco. Sem aviso.
Girou com um rangido quase cerimonial.
Ela congelou na sala.
Esperava alguém?
Talvez.
Talvez sempre tivesse esperado.
Mas ninguém entrou.
Não havia passos, nem voz. Nenhuma figura no batente. Apenas o ar, o vento, o eco da vida lá fora.
E por um segundo, ela sentiu medo. O mesmo medo de sempre: ser esquecida, deixada, não escolhida.
Mas depois veio o silêncio.
E nesse silêncio… algo se moveu dentro.
Era como se aquela porta aberta dissesse:
“Não precisa entrar ninguém. O que precisa é você sair daí.”
Foi quando ela se levantou.
Andou até a entrada.
Encostou a mão na madeira.
E respirou.
Não trancou a porta.
Deixou-a entreaberta.
Não por receio, mas por fé.
“Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei.”
— Apocalipse 3:20
Às vezes, o milagre não é a chegada de alguém.
É a gente entender que o sagrado já entrou — sem fazer barulho.
É descobrir que, mesmo quando ninguém vem, algo vem.
Vem a coragem.
Vem a esperança.
Vem o vento que limpa o que já passou.
Ela olhou para fora.
E, pela primeira vez em muito tempo, quis atravessar o próprio limite.