O fim tem um som peculiar.
Para alguns, é o silêncio denso depois de uma despedida. Para outros, é o estrondo de algo que se quebra por dentro. Mas, em qualquer forma que apareça, o fim sempre carrega um peso.
E, ainda assim, nem sempre é realmente o fim. Às vezes, é apenas a dobra de uma nova página.
Quando o mundo encolhe
Helena trabalhava havia quinze anos na mesma gráfica de bairro. Conhecia o cheiro da tinta, o barulho das máquinas e o ritmo das entregas como quem conhece a própria respiração.
Numa manhã chuvosa, recebeu a notícia de que a gráfica fecharia. O dono, um senhor que tratava todos como família, não conseguiu manter o negócio.
O som das impressoras paradas naquela manhã parecia maior do que o normal. O cheiro de tinta, antes familiar e acolhedor, agora só trazia um nó na garganta. Helena voltou para casa sentindo que o chão tinha diminuído sob os pés.
As gavetas fechadas
Nos dias seguintes, empilhou currículos, fez contatos, acordou cedo para procurar oportunidades. Mas cada tentativa parecia voltar com um “não” polido.
Foi quando, ao organizar uma gaveta antiga, encontrou um caderno de capa azul, manchado de café. Era um presente que sua mãe lhe dera anos atrás, com as palavras escritas à mão: “Para você continuar criando, mesmo quando tudo parar.”
Helena havia esquecido que, antes de trabalhar na gráfica, adorava desenhar e escrever pequenas histórias. O caderno tinha algumas páginas rabiscadas, mas estava quase todo em branco.
A dobra da página
Naquela noite, sentou-se à mesa e, pela primeira vez em anos, deixou a mão correr sobre o papel. Começou sem compromisso, desenhando formas, escrevendo frases soltas. Mas, conforme as horas passavam, algo dentro dela começou a se aquecer.
Não havia máquina, nem tinta industrial, nem prazos. Só ela, o lápis e o silêncio.
Foi então que percebeu: perder o emprego parecia o ponto final, mas, na verdade, era apenas a dobra de uma nova página. Não uma página perfeita, mas um espaço em branco, pronto para receber algo que ainda não existia.
Recomeços disfarçados de perda
A vida, por vezes, é como um livro que não entregamos a ninguém para revisar. Viramos páginas, riscamos trechos, reescrevemos capítulos.
Algumas histórias precisam de um fim para que outras possam começar. E nem sempre essa transição é suave.
Crises e despedidas, por mais duras que sejam, podem carregar sementes de algo que ainda não sabemos nomear.
Helena, nos meses seguintes, começou a vender cartões artesanais com frases e desenhos próprios. No início, era apenas para vizinhos e amigos, mas logo alguém sugeriu que ela criasse uma pequena loja online.
A cada pedido entregue, sentia a mesma satisfação que tivera no passado — mas agora misturada com uma liberdade que nunca havia experimentado.
A lição das dobras
Ela percebeu que o que mais a assustava não era a perda do trabalho, mas a ideia de que não havia nada além dele. A dobra da página mostrou que havia sim — havia um território novo, feito de habilidades esquecidas e coragem silenciosa.
Quantas vezes não nos encontramos diante de uma situação que parece definitiva, mas que, no fundo, é apenas o início de algo?
O término de um relacionamento que abre espaço para um amor mais saudável.
A mudança de cidade que nos aproxima de novas amizades.
A perda de um emprego que nos leva ao trabalho dos sonhos.
A esperança como fio condutor
Não é preciso romantizar a dor para reconhecer que ela também é parte do tecido que nos constrói. O que diferencia quem desmorona de quem se transforma não é a ausência de sofrimento, mas a presença da esperança.
Helena guardou o caderno azul em um lugar visível, sobre a mesa de trabalho. Não como um amuleto, mas como um lembrete: sempre haverá novas páginas — e, muitas vezes, nós mesmos teremos que dobrá-las para mudar de capítulo.
“A dobra de uma página não apaga o que foi escrito antes, mas cria o espaço perfeito para o que ainda está por vir.”
— Sagrado de Cada Dia
Por José Ràmmos

O silêncio no fundo do mar
Há silêncios que assustam. Há silêncios que confortam. E há um silêncio tão profundo que se transforma em revelação. Quem