A dor é inevitável. O sofrimento é opcional

A dor chega sem pedir licença.
Pode vir num acidente, numa perda, numa notícia ruim que rasga a rotina em pedaços. É física, concreta, às vezes aguda, às vezes silenciosa. Mas o sofrimento… o sofrimento é diferente. Ele é o que fazemos com a dor depois que ela bate à porta.
O dia que virou noite
Marina era enfermeira num hospital público. Estava acostumada com histórias difíceis, mas não com a própria.
Uma manhã, ao sair para o trabalho, sofreu um acidente de moto. Fratura na perna, meses de recuperação e a necessidade de se afastar daquilo que mais amava: cuidar de pessoas.
Nos primeiros dias, a dor física era insuportável. Mas foi o vazio de não estar no hospital que mais pesou. A cada mensagem dos colegas contando sobre pacientes, ela sentia como se estivesse sendo esquecida. A dor física era inevitável; o sofrimento, no entanto, ganhava força a cada pensamento de perda.
O encontro no corredor
Numa tarde chuvosa, ainda de muletas, Marina precisou ir ao hospital para revisar exames. No corredor, encontrou Dona Ivone, paciente que havia cuidado meses antes. A idosa, com um sorriso que parecia carregar luz, segurou a mão de Marina e disse:
— Enfermeira, o seu cuidado mudou minha vida. Não é a sua presença física que me cura, é o que você deixou aqui.
A frase atravessou Marina como uma revelação.
A perna doía, mas naquele instante ela percebeu que o sofrimento que a corroía não vinha da fratura, vinha da narrativa que estava construindo sobre si mesma.
Dor x sofrimento
A dor é como a chuva: inevitável, natural, muitas vezes necessária para limpar o que precisa ir embora.
O sofrimento, porém, é como escolher ficar encharcado mesmo depois que a tempestade passa. É se apegar ao que não pode ser mudado e permitir que ele nos defina.
Marina voltou para casa e começou a buscar outras formas de continuar presente na vida dos pacientes. Passou a enviar cartas, gravar mensagens de áudio e até confeccionar pequenos cartões motivacionais para que os colegas entregassem aos internados.
Percebeu que, mesmo longe, ainda podia oferecer cuidado e que a limitação física não era sentença de isolamento.
A liberdade interior
Não se trata de negar a dor.
Negar a dor é como fingir que a noite não chegou. É preciso senti-la, reconhecê-la, permitir que cumpra seu papel. Mas o sofrimento é opcional porque depende da escolha de onde colocamos nossa atenção.
Quando Marina passou a colocar o foco no que podia fazer, e não no que tinha perdido, algo dentro dela se reorganizou. A perna ainda levava tempo para cicatrizar, mas a mente começou a caminhar em liberdade.
A vida que continua
Meses depois, já sem muletas, Marina voltou ao hospital. Não para retomar exatamente como antes, mas para iniciar um novo projeto: um grupo de apoio para pacientes em reabilitação.
Ali, compartilhava sua própria história, não como uma tragédia, mas como um exemplo de que a dor pode ser inevitável, mas o sofrimento sempre pode ser reduzido, transformado ou até dissolvido pela forma como escolhemos viver.
A escolha que muda tudo
Essa é a diferença:
• A dor nos visita sem convite.
• O sofrimento é quando preparamos um quarto para ele e o deixamos morar.
Podemos não ter poder sobre as circunstâncias, mas sempre temos algum poder sobre como responder.
E é nessa resposta que mora a liberdade interior.
“A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”
— Haruki Murakami
Por José Ràmmos

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